sábado, 9 de abril de 2011

O homem sem lugar

- Sim, eu venho de uma terra maravilhosa! - gritava a plenos pulmões.

  Era uma tarde qualquer, em um lugar qualquer.
  Um homem qualquer berrava para o mundo.
  Olhares e palavras o repreendiam.
  Um dos transeuntes se aproximou e perguntou:
- Que fazes aqui seu desajustado? Não vês que incomodas os vizinhos?
- Venho da... Sou filho dos belos campos... Contemplo o Sol do alto dos... Já me banhei nas águas do... Já andei pela floresta...
  O transeunte, perplexo, retrucou:
- Mas que absurdo! És um louco varrido, um problemático. Não diz coisa com coisa. Porque fui perder meu tempo com um elemento desses... Céus!
- Sim, os céus da... são mais limpos e o ar mais puro. E os animais, que riqueza. A flora, exuberante... Nem vês o tempo passar em...
- Você é do tipo de gente que... - E foi interrompido pelo eloquente homem.
- Ah! As gentes de minha... que saudade tenho dos meus iguais, meus irmãos, meus conterrâneos...
  Vendo que a digressão do outro era inesgotável. O transeunte, ainda mais espantando, pensou consigo:
- Vou para casa, é o melhor que faço.
  O homem logo cessou. Parecia ter escutado o pensamento do transeunte perplexo. Ficou observando o outro seguir seu rumo, seguiu-o, com uma ligeira distância. O outro logo percebeu e virou-se, repentinamente, dizendo:
- Vai te embora... Vá para seu lar.
  O expressivo homem estancou. Era agora rígido como uma estátua. Não tinha expressão alguma, apenas ereto e com olhar distante. O transeunte a essa altura já estava coberto de terror. Mirando aquela cena estranha, aquela figura estática, quase inanimada, pensou:
- Cruzes... Em um momento ele era todo palavras, agora é silêncio mórbido. Que terá lhe acontecido?
  De súbito, um pedestal surgiu abaixo do agora petrificado homem. Sua carne realmente se tornou pedra e seu olhar continuou distante. Seu semblante que outrora não exprimia nenhuma emoção, agora mostrava um sorriso tímido, provinciano. Aos pés da estátua surgiu uma placa de bronze com os dizeres:

Para encontrares teu lugar, só precisas crer que ele existe. Nele repousarás sereno. Eu cri, e nele estou.

Campinas, 9 de abril de 2011

terça-feira, 29 de março de 2011

Um velho neologismo

Pushkudumtiamun
A grafia não importa
Importava era o som
E o que ele causava na gente.

Pooxckdun ti amum
Era nosso código
Numa língua que só nós dois
                     [sabíamos falar.
E assim como o "nosso" e o
                            ["nós dois"
Não existe mais.

Puxi Kudum Tiamum
Da minha parte eu prometo
Lembrar sempre do significado
E não revelá-lo a ninguém.

Puch Qu Dun Ti Amum
O tempo chega para tudo
E o que resta são palavras
Jogadas ao vento, ao tempo.
E lembranças... boas e ruins.


Pu Chi Ku Dun Ti A Mun
Talvez você tenha se esquecido
Quiçá, de propósito...
Na verdade pouco me importa agora
O que importa é que você...

Puchkudum Tiamum em algum momento.

Campinas, 29 de março de 2011

quinta-feira, 24 de março de 2011

Perdi

"Perdi a vez", como Bandeira
Perdi a coragem e o medo
Perdi a sensação de realidade
E a noção do surreal.

Perdi o novo e o moderno
Perdi o velho e o obsoleto
Perdi o passado, o futuro
E alguma coisa do presente.

Perdi grandes batalhas que não lutei
Perdi grandes expedições que não participei
Perdi grandes invenções que não inventei.

Perdi pessoas, lugares, lembranças...
Perdi afetos e desafetos
Perdi músicas, imagens, livros...

Perdi...

Será essa minha sina?

Não... talvez seja essa a melhor fase
                                    [da minha vida.


Campinas, 24 de março

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

"Será que eu sou medieval?"

BR alguma coisa, dias atrás

"Eu acredito nas besteiras
Que eu leio no jornal
Eu acredito no meu lado
Português, sentimental
Eu acredito em paixão e moinhos lindos
Mas a minha vida sempre brinca comigo
De porre em porre, vai me desmentindo"
                                                 Cazuza, Medieval

Estava viajando por essas bandas aqui do cerrado certo dia e no carro, sem nada para ouvir de interessante, achei um cd do bardo e poeta Cazuza. Coloquei no som, sabendo que havia uma música que eu não estava preparado para ouvir, e indo para um lugar onde já passei por muita coisa, me arrisquei nessa pequenina cruzada contra mim mesmo. Enfim, música vai, música vem, pula uma, passa para outra, olha o número da faixa daquela ali, ouvi uma inédita - pelo menos para mim, Medieval.
Como saudosista assumido, a canção (melhor seria chamá-la cantiga, ou ode para forçosamente contextualizar) me serviu como uma luva - expressão tão velha quanto o tempo histórico em questão, diga-se de passagem.
A música começa com um apelo para ser mais moderno. De certo modo, esse apelo ecoa nas masmorras da minha mente, ali na cela ao lado da pureza - encarcerei todos, com direto a correntes - afinal, em muitos casos fui e sou completamente arcaico, obsoleto, "demodê" (além de tudo brega, melhor dizendo "old fashion" - pega melhor pro leitor sabe). Isso (!!!) "old fashion", "old school", no vulgo (não o latim) - epa, latim vulgar é antes da Idade Média, que os professores de história que me deram aula me perdôem, isso claro se já não viraram história - enfim "das antigas".
Sim sou das antigas sim, da velha guarda que veio depois da Jovem Guarda. Vale localizar temporalmente não é? Senão acabo me travestindo de amish (aquele pessoal que vive num mundo de novela de época para ser bem direto, aquelas das seis). Um gancho (tenho mania de fazer isso), imagine um travesti amish, "Vade Retro" seria tão estranho quanto um cafézinho após um banquete bulímico medieval - mas convenhamos que seria deveras engraçado. Gancho finalizado prossigo, meus gostos são puramente velharias - não maldoso amigo, não frequento Bailes da Saudade - músicas e filmes em geral. Enfim, de novo - essa repetição de "enfim" faria muitos clacissistas me sentenciarem à fogueira santa - continuando com a música o tema central é amor, como em todas as cantigas de amigo, que na Idade Média pressupunham uma "amizade colorida".
E por onde andará "mea senhor" (para quem dormiu nas aulas de literatura, a expressão refere-se a uma mulher ideal que o trovador louvava)? Será que haverá renascimento no meu coração de trevas, tão amargurado e fatigado pela última peste? (que brega não? "Mea culpa") 
Enfim - prometo pela honra de minha casa que será o último enfim que usarei - creio que Nostradamus em um de seus devaneios deve ter previsto alguma coisa sobre o amor, algo mais avassalador que o Anticristo, que por sinal,coitado, anda desgastado de tanto preverem sua volta não é? Mesma coisa o próprio Cristo, que a dois mil anos não tem um descanso sequer. Meu conselho é que não voltem, Cristo - quando voltar traga uma dose (de felicidade, para não me compararem aos beberrões das tavernas), Anticristo - continue fazendo o que quer que você faz (churrasco?), e os amores ruins - bem esses, eu não sei. Só sei que...

"As vezes eu amo e construo castelos
As vezes eu amo tanto que tiro férias
E embarco num tour pro inferno"
                                               Cazuza, Medieval  

PS: escrevo mais assim que puder.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Meus óculos

Terraço do MASP, manhã de domingo de um mês qualquer

Na confusão das tendas te encontrei
No escuro do baú
Em meio a tantos outros,
por ti me interessei.

Vieste de longe
Me dissera o mercador
De um lugar chamado China
E de um tempo que não volta mais.

Tratei logo de te arrematar
E matei o esforço
De tentar ver o que não era claro para mim.

Te fiz meu companheiro fiel

És um tanto excêntrico, verdade
Mas são teus olhos que me fazem ver
Que a felicidade é mais nítida, quando não nos esforçamos em enxergá-la.

Meu escudeiro
Que guarda a entrada de minh'alma
Que me separa dos raios fulminantes, silenciosos e invisíveis
Disparados por olhares que cruzam com o meu.

Meus olhos
Que me ensinam a ver
Aquilo que meus globos cegos não sabem
As cores que permeiam o prisma vital
Num campo monocromático.

Quando escrevo essas palavras
Tu guias meus dedos às teclas
Apagando e reescrevendo aquilo que
aos nossos olhos não nos agrada.

Habita minha face
E se aconchega na minha cabeça
Se agarra a minhas orelhas
E me conta, mudo,
o mundo que vê.

Ainda que me permita ver além
Não me furta de olhar para trás
Mas, concava minhas lágrimas
e refrata minha tristeza, para longe daqui.

E quando me olho no espelho, através de ti
Lembro-me da música, do cara dos óculos, que dizia que
"Por trás dessa lente tem um cara legal"
E cegamente confio em você
Ainda que seja tudo uma ilusão.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Brincadeira de mal gosto

Parquinho da pracinha da infância, 09:34, anos atrás

Observando a criança chego a uma conclusão um tanto pessimista quanto à vida. O adulto, crê fortemente que as marcas que a vida imprime, lhe concedem mais armas para enfrentá-la. Lembrando da infância, percebo que o homem não evolui, mas sim involui. Quando pequenos, sabemos lidar com fineza e requinte com contratempos grandiosos, o fim de uma amizade, a desilusão amorosa, a perda material, o fracasso, enfim lidamos com maestria com coisas que não conhecíamos até então.
Me expliquem como, um ser que surge do nada, que emerge do ventre da mãe - para os menores, é a cegonha que vos trouxe viu? - começa a experimentar o mundo, e se sai tão bem com a derrota do timinho de futebol no campeonato do bairro, como um indivíduo tão jovem - veja que tendência mais adulta de associar idade à capacidade - consegue compreender que a perda de um objeto, por mais que venha regada a lágrimas - e isso se aplica à derrota do time também, é apenas uma perda, e que no outro dia surge um novo brinquedo, e uma nova partida de futebol? Mágica, será tia?
"Nota dez Joãozinho", exatamente isso, a sofisticação dos pequenos consiste enxergar a mágica das coisas. Por baixo do cabelo repartido e dos laços de fita, os "projetos de gente" tem um aparelho que consegue compreender fatos de forma muito superior. Não sabem o que é morte, mas entendem quando alguém "vai para o céu" - quando crescem um "cadinho" mais, mandam algumas para o caminho oposto, com certa precocidade comecei a fazer isso; não sabem o que é amor - e nem que o Ministério da Saúde adverte - mas conseguem expressá-lo de forma mais pura e inteligente que o "maramanjo" que escreve essas palavras, por exemplo; e uma infinidade de outras coisas que carregam na sua bagagem de vida.
Assumo desde já que sou involuído, não sei como suportar certas "traquinagens" da vida. Derramo lágrimas e paro por aí, muitas vezes sem ação, inerte como um joão-bobo - acho que ninguém brinca mais com isso. O mais trágico, é que muitas das "peças pregadas" são nada mais que "figurinhas repetidas", coisas que na minha meninice consegui passar por cima. É coleguinha, outrora eu "rapelava" certas coisas da vida.
Que a vida é uma brincadeira de mal gosto, acho que todos nós sabemos, mas somente quando pequenos é que sabemos brincar. É por isso que às vezes me dá vontade de sair da caixa-de-areia, do roda-roda, do balanço, do parquinho, porque vejo que não sei brincar mais. Mas quem sabe não encontro minhas peças de Lego e monto uma nova história.

sábado, 18 de setembro de 2010

Vivendo uma história de aventura para garotos

Numa loja de LPs, mil novecentos e oitenta e alguma coisa, RP.

"Can't escape, if I wanted to
Living a boy's adventure tale
I may be dreaming but I feel awake..."
                                                     A-ha, Living a boy's adventure tale


Não sei ao certo como fui gostar dessa banda, nem porque me meti a escutar tão assíduamente suas canções, e nem porque suas melodias mexem com meu íntimo. Mas acho que tem a ver com uma história.
Antes, como manda a cartilha, falo um pouquinho da banda que embala minha escrita. A-ha é uma banda norueguesa, que canta músicas em inglês, que fez sucesso no Brasil na década de 1980, e que para os padrões norte-americanos e britânicos de sucesso não emplacou. Suas músicas são marcadas por uma forte melancolia e suas letras cantam o amor de forma densa muitas vezes de forma desiludida.

Minha pequena história de aventura começa na década de 1980.

Era uma vez um rapaz recém-formado em medicina, fazendo residência. De aspecto magro, cabelos negros, baixa estatura e olhos fundos. 

Era uma vez uma moça que estudava arquitetura. De aspecto esbelto, cabelos longos e claros, baixa estatura e olhos sonhadores. 

Ambos de famílias pequenas, ambos jovens, ambos gostavam da música da época - de A-ha inclusive, ele em especial, ambos assitiam TV, ambos morando em uma grande cidade, ambos sonhadores. Acabaram por se apaixonar. Ele fazia residência, ela o ajudava na residência. Ela fazia arquitetura, ele arquitetava declarações. Estudantes, no começo da vida, juntaram alguns sonhos em comum, descartaram outras pretensões individuais. 

Sua gente não aprovava tudo aquilo. A mãe dele queria se meter a ser mãe dela, a mãe dela se negava a ser mãe dele. Os patriarcas, diplomáticos, observavam com cautela o amor dos filhos. Os irmãos observavam pensativos tudo o que se passava.

Semanas, meses, cartas, telefonemas, enfim noivos. Os dois trocaram alianças de noivado, na casa dos pais dela. Amigos, familiares, tios, tias, curiosos, todos brindaram o amor do casal, e fizeram votos de felicidade.

Saúde... um tema complicado para ele. Desde menino, ele sofria dos rins. Nunca pôde brincar como as outras crianças. Sua deficiência influiu na sua escolha, resolveu ser médico, urologista, cuidar de rins. Cuidou de muitos, mas não conseguiu salvar os seus.

Casa... ela parecia se interessar por essas coisas. Antes de estudar arquitetura, ela já havia começado administração. Ao que me parece, ela parecia querer construir um lar. E contruiu vários, até construir seu próprio.

Já eram mil novecentos e noventa e um quando final se aproximou, a dupla de namorados tornara-se um trio. Estava para nascer o fruto daquilo tudo, daquele amor, daquela paixão, daquela união, daquele sonho... daquele erro. 

Da paz entre as casas, fez-se a guerra. O casal, ou melhor a tríade, estava na linha de frente. Corríamos sem rumo... sim eu estava entre os três, eu senti a dor dela, eu ouvi o medo na voz dele, eu corri junto deles, eu viajei repentinamente com eles, eu arrumei malas com eles, enfim eu era onipresente na vida deles... eu estava ali... "meninos eu vi".

Quando o cessar-fogo chegou, ele já tinha partido dela, ela também já tinha partido dele. O que restou foram dois corações partidos, e um coração que começava a bater. Pelo convívio próximo e íntimo, eu optei por ficar ao lado dela. 

Ela conseguiu reconstruir seu coração, e abriu as portas dele a um novo amor. 

Ele teve sucesso na operação de salvar o dele, e foi amparado por um novo amor.

E eu...eu fiquei para contar um pouco dessa história, que eu assisti de perto, juro. Ouvindo A-ha e escrevendo, voltei àqueles tempos.